quarta-feira, 28 de julho de 2010

Galo e Cruzeiro e um jazz no coração

Por ROBERTO AMARAL, jornalista da Rede Minas, em Belo Horizonte.
Quando jogam Atlético e Cruzeiro, como acontecerá no domingo que vem, eu me lembro do meu pai.

Eu tinha 11 anos quando vi meu pai ser levado pela Polícia Política.

A gente morava ali na rua do Ouro, no bairro da Serra, perto da Volla Rizza.

Era domingo, eu acabara de acordar quando os homens da polícia apareceram na minha casa.

Eles chegaram numa Rural cor de café com leite e ficaram parados na porta, e na outra esquina, mais adiante, um Jeep do exército com dois homens dentro observavam tudo.

Foi a dona Bela, uma italiana de peitos grandes, que morava defronte a nossa casa, quem avisou a minha mãe de que a polícia rondava o nosso portão.

Minha mãe desligou o telefone, abraçou o meu pai (que comia pão com manteiga) e começou a chorar.

Meu pai adorava comer pão molhado no café.

Eu fiquei ali, olhando para o chão com o cadarço do sapato desamarrado enquanto a minha mãe chorava abraçada com o meu pai.

Meu pai foi preso vestido com a camisa do Atlético.

Era a de número 9, do artilheiro Dario Peito de Aço.

Aquele domingo era dia de clássico no Mineirão e, pela primeira vez na vida, meu pai ia me levar para ver uma de suas paixões: o futebol.

Naquela época algumas reuniões do Partidão eram feitas em dias de grandes jogos no Maracanã, Morumbi, Fonte Nova, Beira Rio e nos Aflitos.

Era uma tática para despistar os caçadores de aparelho.

O meu pai foi preso ao ser denunciado por um "cachorro".

Cachorro era o nome que a polícia dava ao espião infiltrado no partido a serviço do exército brasileiro.

Acompanhei o jogo deitado na cama da minha mãe, ouvindo o mesmo radinho de cabeceira em que meu pai acompanhava a Voz do Brasil e o repórter Esso.

Enquanto ouvia o jogo, a minha mãe ficava ao telefone tentando mobilizar amigos influentes para saber notícias de meu pai.

O Atlético derrotou o Cruzeiro por três a dois e Dario Peito de Aço foi quem marcou o gol da vitória.

O genial Vilibaldo Alves parecia querer prestar uma homenagem ao meu pai narrando o terceiro gol do Galo: Adivinhe ! goooooooool Daaaarioooo! Daaaaaariooooo! Daaaaaariooo! Daaaaariooo! Peito de Aço!!!

Quando o jogo terminou, eu corri para a janela na esperança de ver o meu pai, que nunca mais voltou.

Agora, todas as vezes em que jogam Atlético e Cruzeiro eu me lembro dele, dentro do carro da Polícia Política, vestido com a camisa do Atlético.

Era a de número 9.

Todas as vezes que jogam Atlético e Cruzeiro, um jazz toca no meu coração.

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