quinta-feira, 16 de junho de 2011

Quando as crianças saírem de férias.

Brasília, final do ano de 1972. A família Barreto de Sá Teles completava um ano de Planalto Central. Um planalto verde oliva, mudo em português, surdo em esperanto, cego de esperanças num tempo em que aprender as coisas, os significados dos símbolos, das letras das músicas, era um jogo mais perigoso para quem ensinava do que para quem tentava entender. Eu, com dez anos de idade, tentava entender porque o pai do meu amigo estava preso, porque era tão emocionante se ouvir aquela música, escondido, que dizia: "Caminhando e cantando..."

Seria proibido ir caminhando da 109 Sul até a escola, na 107, cantando? Porque a preocupação da professora quando falei que queria ser presidente da república, ao mesmo tempo em que perguntava como se fazia para se tornar general, e então, presidente?

Minha grande família havia deixado Salvador há pouco mais de um ano, fugindo da dor da partida de um dos nossos, meu querido irmão Toinho. Talvez na vastidão do Planalto Central, tão perto do céu, estivéssemos mais próximos dele, onde as grandes almas se espalham, e mais longe da saudade que o nosso sobrado na Rua da Imperatriz, em Salvador, nos impunha desde o sobressalto de sua inesperada partida, aos 17 anos de idade.

Brasília nos apresentava odores e sabores diferentes, além de um ar seco e um céu claro e sol ofuscante. A praia do Mont Serrat da minha Salvador de um ano atrás era agora um sonho de férias. A saudade dos amigos de diversas classes sociais com os quais eu convivia empinando arraia, pescando maria-preta, caçando ratazanas nas casas abandonadas da Bahia, disputando rinhas de vira-latas também me doía. Não compreendia a necessidade de tênis, meia, camisa, bermuda com cinto, naquelas crianças na superquadra, se não havia festa nenhuma às 3 da tarde, depois da escola, nem era dia de missa. Cheguei a brigar algumas vezes, por conta dessas diferenças. Mas encontrei nas famílias dos porteiros e dasempregadas, as minhas primeiras amizades na capital. Eram crianças como eu, de descalça origem nordestina, mesmo tendo sapatos. Depois capitulei. Em pouco tempo eu também estava de tênis, meia, etc...E mais amigos.

Mas já se passara um ano. O meu pai havia comprado uma Rural Willys/Ford, um veículo bem apropriado para uma família de oito filhos. O jipão em duas cores - verde capim e branco - significava uma coisa maravilhosa: Férias!

Meu pai nunca aprendeu a dirigir automóveis, por isso a condução dos carros lá de casa ficava a cargo dos meus irmãos mais velhos, Zé e Raimundo. Estes, inclusive, incrementaram a Rural com talas largas e um rádio Blaupunkt AM que certamente atenderam à necessidade daqueles dois jovens de inserir no carro do professor a estética dos corcéis, dodges, opalas e fuscas dos seus amigos de juventude.

Mas agora a Rural rodava potente pela estrada rumo à Bahia. Os sanduíches de queijo do reino, a galinha assada, a gigantesca garrafa térmica com café ainda cheiravam na cabine do carrão abarrotado de uma gente feliz por ser amada. Joseane, Gaia, Rose, Ana Ruth, Josette, Raimundo, Zé, João, Dona Ruth e o Professor Sá Teles.

No rádio Blaupunkt, entre chiados e estática, Roberto Carlos cantava: "Quando as crianças saírem de férias, talvez a gente possa então se amar...Um pouco mais".


Fico imaginando oito filhos do amor, perguntando, apertados numa Rural: !!! MAIS !?!?

Texto originalmente escrito no BLOG de JOÃO BANI : http://joaobani.blogspot.com/2006_05_01_archive.html

Esse texto é uma pequena forma de homenagear ao AMIGO João Bani que hoje completa mais um ano de vida. Por sinal, uma vida repleta de realizações e conquistas!

Parabéns Meu Amigo.

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